quarta-feira, janeiro 23, 2008

I´m Not There



Heath Ledger, o cowboy atormentado, foi um dos protagonistas do genial filme de Todd Haynes, "I'm Not there", que nos trás o mito e a música de Dylan. Ledger dera nas vistas como filho com final trágico de Gibson em "O Patriota" e de Billy Bob Thornton em "Monster's Ball". Depois do sucesso de "Brokeback Mountain" protagonizou um premonitório "Candy" onde interpreta um poeta heroinómano. Tinha acabado de ser o Joker no último Batman, e rodava com o Monty Python Terry Gilliam e Tom Waits um delirante "The Imaginarium of Dr. Parnassus". Morreu ontem entre o almoço e uma massagem, em Manhathan. De overdose. Dizem.

sábado, janeiro 19, 2008

Smokers Outside The Hospital Doors



A recomendação veio pelos caminhos do Santiago. Nuestro hermano, que não o das vieiras, mas o que gosta de Vale Meão. E recomendou os Editors. Banda indie de Birmingham, liderada por Tom Smith. Este tão actual "Smokers outside..." foi o single que lançou o seu último álbum "An End has a Start". Os baixos e a voz lugubre evocam Ian Curtis e os Joy Division. Mas estes Editors têm alma própria.



"Bones", "Racing Rats" ou "When Anger Shows" canções de enorme beleza, emergindo sob o manto diáfano de uma velada tristeza uma força transcendente, a guitarra e a voz de Smith directas ao coração. E a simplicidade de um piano e a voz de Smith agora evocando Peter Hamill em "Well Worn Hand". Estes Editors carregam com o peso do Mundo, cantando hinos com a beleza das coisas simples.

terça-feira, janeiro 08, 2008

Tables du Monde (22) Shis

Fica literalmente em cima da Praia do Ourigo, na Foz do Douro. É ideal para almoçar em dias de Sol, na esplanada ou na sala, com o azul do mar em fundo. Ou para um jantar romântico em que o prateado do mar penteia a praia iluminada, com o Farol da Barra de Aveiro ao fundo. Ou um almoço com a chuva a fustigar as vidraças e o mar a cavalgar os molhes da foz tão bem desenhados por Carlos Prata.

O médico Ricardo Campos Costa sempre teve a mania de fazer as coisas em grande. Como ele. E quando decidiu abrir um restaurante escolheu um dos espaços mais belos do Porto, o Ourigo, e foi buscar ao Cafeína Paulo Lobo para decorar a sala, e António Silva Vieira, um dos melhores chefs do Porto. E o Shis é, já, um grande restaurante.

Sala agradável, em que os candeeiros de papel e os tons pastel da amesendação conferem um ar cosmopolita à estrutura de madeira cravada na praia, serviço afável e atento, apenas se recomenda melhor sincronização a servir grupos maiores, já que é desagradável ficar alguns minutos a olhar para a comida enquanto se espera pela entrada do parceiro do lado. Excelente carta de vinhos com boas propostas de vinho a copo e um balcão que pode ser sushi bar. Mais a arte do chef com alguns dos pratos que lhe trouxeram a fama no Cafeína revisitados e sobretudo novas e sublimes criações. E uma carta de Sushi.

No último mês fiz três visitas ao Shis. Nas entradas provaram-se os sashimis mais os crepes japoneses de camarão e o melhor dos makimonos, o Hot Philadelphia, que considero ideal para a iniciação aos paladares nipónicos. E deitou-se, com inveja o olho numas Vieiras e um ravioli de crescer água na boca e sobretudo nas Variações de Foie Gras ( Inteiro, em Bloco com compota de figo e em espuma) que casou na perfeição com o Gradjó Late Harvest.

A carta oferece excelentes opções nas pastas e nos risottos, com destaque para o Risotto Nero de Povo Confitado, e para carnívoros uma generosa oferta de Tornedós, com referência especial para o Wellington que já conheciamos da Rua do Padrão. E o Fondant de alheira de caça em redução de Cabernet Sauvignon, voluptuoso, divinal, inesquecível.

Por falar em volúpia, a refeição terminará em com os Fondants de Chocolate ou de Caramelo, para mentes pecadoras, ou a Blattertorte de Framboesas, a tarte Tatin ou o Bolo de Chocolate Amenteigado para mentes saudosistas de outros espaços.

A carta dos vinhos é completíssima, com muitas pintas, guiados pela batuta do sommelier Carlos Magalhães pelos xistos e meandros dos melhores vinhos que o Douro e o Alentejo nos Dão. E com apossibilidade de poder pedir um copo de Vale Meão.

Este Shis é pois uma aposta ganha dum expert em raios X, sendo já nome sonante e magnético da gastronomia portuense.

Miro

"No tempo em que a vida era um sonho que passava à nossa frente, cada dia uma nova página de um livro sem fim, eu tinha um ídolo. Não, não era o Eusébio, que estava sempre aleijado e até foi jogar para o Beira-Mar. Nem o Yazalde, apesar dos mais de 40 golos que marcou só num ano. Tão pouco o Pélé. Sem o Jairzinho e o Rivelino, o Tostão e o Gerson, o que valia o Pélé?. Acima desses estava o Cruyff, que comandava uma vistosa equipa de gadelhudos com nome apelativo e equipamento bonito. Mas o meu ídolo mesmo era o Miro. O Miro era de carne e osso, morava mesmo ali ao lado da escola, tinha só mais 2 anos do que eu e era tão bom como o Cruyff...que digo eu...era melhor do que o Cruyff. O Miro fazia o que queria com a bola, o Miro jogava com os dois pés, fintava com os dois pés, fintava um, dois, três, todos os que lhe aparecessem à frente, o Miro olhava para um lado e passava a bola para o outro, o Miro marcava golos de todas as formas e feitios, com os pés, com a cabeça, em jogada corrida, de livre directo (ou até de livre indirecto....ele encarregava-se de pôr alguém de confiança a dar um toquezito para o lado).

Aos 11 anos, no 2º ano do Ciclo Preparatório, tive a sorte de ficar na mesma turma do Miro (depois de um ano a penar numa turma de moços da aldeia, em que ninguém tinha jeito para a bola). A turma dos caxineiros. Foi um regalo. Ganhámos a toda a gente. Não só em futebol como no resto. Até no basket o Miro era melhor do que os outros. No futebol, a concorrência era enorme, mas lá consegui um lugarzinho na equipa. Lembro-me bem da grande final. Era contra uma turma de "vileiros", comandados por um tal Quim Vitorino, rapaz encorpado, já com os seus 14 anos (como o Miro), que alguns teimavam que era ainda melhor do que o Miro. Durante uma semana não se falou de mais nada. O Miro dava as ordens. Tu jogas à esquerda e tu à direita, tu na defesa e tu no ataque à minha frente. E tu ficas preparado para entrar se alguém se magoar. Foi a minha primeira final....e foi a minha final de sempre. Goleámos os "vileiros".....7-3, 8-3, ....a memória aqui atrapalha-se, lembro-me que até eu marquei um golito....mas a prova estava feita. Em futebol, os caxineiros eram os melhores e o Miro era definitivamente o maior.

Acabado o ciclo, perdi o contacto com o Miro. Soube que o pai o obrigou a ir para o mar e nem Varzim nem Rio Ave, não havia tempo para treinar. Ao contrário de muitos dos que estiveram naquela final, a começar por mim que, apesar de bem mais fraquinho, lá fiz a minha carreira de futebolista jovem no Rio Ave, de que tanto me orgulho, e a acabar no Quim, que chegou a Campeão Europeu em Viena, ao Miro roubaram-lhe a alegria de jogar futebol na idade em que todos gostamos de jogar futebol. Passados quase 10 anos, o Miro apareceu de repente a jogar no Varzim. Apenas 1 ou 2 anos depois de se ter inscrito oficialmente pela 1ª vez no Malta (segundo rezam os jornais) já como sénior. Cheguei a vê-lo 2 ou 3 vezes mas o encanto tinha-se perdido. Era um defesa-esquerdo razoável, rápido e raçudo, mas os sinais do Cruyff tinham-se desvanecido. E entretanto tinham aparecido o André e o Vitoriano e era desses que se falava. Ainda esteve uns anos no Varzim. Passou pelo Aves e acabou no Oliveira do Bairro. E voltou ao mar.

Há 2 ou 3 anos vi o Miro num café das Caxinas. E o Miro continuava igual....e lembrava-se de mim e tratou-me pelo meu nome, o que me deixou orgulhoso. Foi a última vez que o vi. Hoje o Miro deixou-nos. Desapareceu na porra do mar, o mar traiçoeiro que já tanto o tinha castigado. E eu chorei. Um bocado do meu sonho ficou para sempre no mar frio da Bretanha."

JMF

quarta-feira, janeiro 02, 2008

"Redacted"

É verdade. Andei desaparecido. Perdido entre trabalho e reuniões. E algumas caixas de DVD, de "24" a "Rescue Me". .Voltei com o ano novo. Para falar de um filme. De Brian de Palma. Um filme que põe o dedo na ferida. Numa ferida com seis anos. Já não é uma ferida. É uma pústula. O cheiro nauseabundo da gangrena pairando no ar.



O filme chama-se no original "Redacted". Abre com "Sarabande" de Handel. Que nos remete para a memória de "Barry Lyndon". Mas do encanto inicial chegamos ao fim com um gosto amargo na boca. Não o amrgo doce do Chop-Suey. Nem o amargo duma Bitter Ale. É mais o amargo ácido do suco gástrico. Um soco no estômago. O mesmo que se sente no final da "Pastoral Americana" de Philip Roth.




De Palma revisita o tema de "Casualties of War". Partindo duma história real, filmada em jeito de documentário. E que poderia terminar não com as fotos censuradas pelo produtor, mas com o monólogo de Kurtz que Coppola foi buscar a Conrad. O horror, o absurdo duma guerra sem sentido. Concordo com Roosevelt que disse "If I must choose between righteousness and peace I choose righteousness". Mas esta guerra no Iraque tem mais a ver com a Darkness de Kurtz do que a Rightness de Roosevelt. É isso que nos recorda este filme. Poderá não ser um grande filme. Mas recomenda-se. Vivamente.