Um destes dias, durante o almoço, houve um tom de voz vindo da TV que me fez parar de fazer alteres com a colher da sopa. Instintivamente olhei para o televisor. Estava sintonizado na SIC, no programa da Fátima Lopes. O dono do tal tom de voz encontrava-se lá dentro, rodeado por vários comentadores do social, numa rubrica que soube depois chamar-se «Tertúlia Cor-de-Rosa». Tudo gente que é paga para comentar a vida dos outros, a quem chamam «Jet-Set», as pessoas que conheço das capas das revistas que costumam decorar o balcão do sítio onde tomo café todos os dias. A maior parte delas confessam ocupações pouco aristocratas, que variam entre cabeleireiros, decoradores, relações públicas, futebolistas, arquitectos de interiores, empresários de negócios vários e, até, estes mesmos cronistas do social. Tudo profissões que parece só existirem em Lisboa, na sede das revistas cujas capas ocupam e que, aparentemente, lhes darão muito dinheiro a ganhar. Estes comentadores do social nacional têm em comum falarem um português algo gago e pleno de pontapés-na-gramática, mas com o qual se esforçam por se exprimirem de uma forma, ao mesmo tempo, afectada e sapiente. Sapientemente afectada. Ou afectadamente sapiente. Em ambos os casos, sem que se perceba muito bem porquê.
Não foi, entretanto, difícil identificá-lo ali. Tem, agora, um físico tão entroncado quanto a voz, cavernosa de muitos cigarros e, ao que consta, de outros tantos vícios. Encontrava-se negligentemente sentado num sofá, quase deitado, a trocar opiniões com os outros presentes e interrompendo-se mutuamente, como se o que um tivesse para dizer fosse sempre mais urgente do que a urgência do comentário do outro. Fátima Lopes parecia que o tratava com a maior deferência que se concede aos mais conhecedores, ou mais experimentados, frequentadores do milieu. Por vezes, quando os outros comentadores esgrimiam argumentos divergentes ou a conversa se tornava pouco consensual, passava-lhe a palavra e ele respondia, ou concluía, de uma forma quase sempre doutoral. A mesma pose e teatralidade que eu lhe conhecia de outras ocasiões, em palcos bem mais pequenos do que os das televisões. Muito embora igualmente notados, no caso, pela minha própria memória do meu 25 de Abril. Daí a surpresa por ter encontrado, ali na «Tertúlia Cor-de-Rosa», o João Malheiro. Como já havia sido surpreendente tê-lo visto, antes, noutros palcos. Os quais jamais imaginei que ele pudesse vir a pisar.
1 comentário:
Há dias, na rádio,ouvi uma teen-ager a falar sobre o 25 de Abril e a foto que ilustra este post.
Dizia ela que o "25 de Abril foi um dia horrível porque viu uma foto duma criança com um cravo e uma metralhadora, e isso é horrível porque obrigaram as crianças a lutar, e morreram muitas pessoas, principalmente crianças".
Palavras para quê? É uma estudante portuguesa?
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